Ferreira de cabeceira, sempre

criatividade por vezes contida, um grito abafado que nem sempre consegue se organizar. E quando que grito deve ser organizado?

para inspirar projetos cientificamente poéticos:

Fui sempre o que mastigou a sua língua e a engoliu. O que apagou as manhãs e, à noite, os anúncios luminosos e, no verso, a música, para que apenas a sua carne, sangrenta pisada suja – a sua pobre carne o impusesse ao orgulho dos homens. Fui aquele que preferiu a piedade ao amor, preferiu o ódio ao amor, o amor ao amor. O que se disse: se não é da carne brilhar, qualquer cintilação sua seria fátua; dela é só o apodrecimento e o cansaço. Oh não ultrajes a tua carne, que é tudo! Que ela, polida, não deixará de ser pobre e efêmera. Oh não ridicularizes a tua carne, a nossa imunda carne! A sua música seria a sua humilhação, pois ela, ao ouvir esse falso cantar, saberia compreender: “sou tão abjeta que nem dessa abjeção sou digna”. Sim, é no disfarçar que nos banalizamos porque ao brilhar, todas as cousas são iguais – aniquiladas.

– Ferreira Gullar